O Perigo Invisível
Você confiaria em um médico que não lava as mãos? Parece absurdo hoje, mas há pouco mais de 150 anos, a ideia de higienizar as mãos antes de um procedimento médico era vista como desnecessária e até ridicularizada. No século XIX, os hospitais eram lugares perigosos, onde doenças e infecções corriam soltas, e para as mulheres que davam à luz, o risco era ainda maior. A febre puerperal, uma infecção pós-parto, matava milhares de mães todos os anos, e ninguém sabia o motivo.
Foi quando um médico húngaro chamado Ignaz Semmelweis percebeu algo estranho: os médicos que realizavam partos também faziam autópsias antes, sem lavar as mãos. O que parecia uma prática inofensiva, na verdade, trazia um grande perigo.
Descoberta de Semmelweis
Semmelweis trabalhava no Hospital Geral de Viena, um dos centros médicos mais importantes da Áustria, e começou a perceber uma diferença alarmante nas taxas de mortalidade entre duas clínicas obstétricas do hospital. Na primeira, onde médicos e estudantes de medicina atendiam as gestantes, a mortalidade chegava a 18%, enquanto na segunda, onde apenas parteiras realizavam os partos, a taxa era três vezes menor. Na época, os hospitais eram considerados “casas das mortes”, e muitas mulheres preferiam dar à luz em casa a arriscar uma internação.
Determinado a entender o que estava acontecendo, Semmelweis investigou várias hipóteses. Inicialmente, considerou que o ar contaminado poderia ser o responsável, mas descartou essa ideia, pois as salas tinham ventilação semelhante. Pensou que a superlotação fosse um fator, mas a clínica das parteiras atendia ainda mais mulheres. Até o medo foi cogitado como explicação: um padre costumava caminhar pelos corredores do hospital tocando um sino, o que poderia estar aterrorizando as mulheres. No entanto, mesmo após pedir que o sacerdote interrompesse essa prática, a mortalidade não caiu.
Solução Simples
A resposta só veio quando um colega de Semmelweis, Jacob Kolletschka, morreu após se cortar acidentalmente com um bisturi durante uma autópsia. Seu corpo apresentou os mesmos sintomas das mulheres que morriam no pós-parto, levando Semmelweis a formular sua hipótese: os médicos estavam transportando “partículas cadavéricas” das autópsias para as pacientes, infectando-as sem saber. Como as parteiras não realizavam autópsias, não havia essa transmissão na segunda clínica.
Para testar sua teoria, Semmelweis implementou uma medida simples: exigiu que todos os médicos lavassem as mãos com uma solução de cal clorada antes de atender as gestantes. O impacto foi imediato, e a taxa de mortalidade despencou para menos de 2%, era a prova de que as “partículas cadavéricas” carregadas pelos médicos eram a verdadeira causa das infecções.
Ignaz Philipp Semmelweis (1818-1865).
A Rejeição
Ao invés de ser celebrado por sua descoberta, Semmelweis encontrou resistência e desprezo, a comunidade médica da época se recusava a aceitar que os próprios médicos poderiam ser responsáveis pela morte de seus pacientes. A teoria microbiana das doenças ainda não havia sido estabelecida, e a ideia de que algo invisível poderia causar infecção parecia absurda, além disso, Semmelweis demorou a publicar sua descoberta, enfrentando não apenas dificuldades em apresentar suas ideias, mas sua pesquisa também foi negligenciada e ridicularizada por muitos colegas, o que dificultou ainda mais a aceitação de sua descoberta. Seu chefe, o professor Klein, fez de tudo para desacreditá-lo, e muitos médicos viam sua teoria como um ataque pessoal.
Frustrado com a rejeição, Semmelweis tornou-se cada vez mais amargo em suas tentativas de convencer a comunidade médica. Em 1865, já com sinais de problemas mentais, foi internado à força em um manicômio em Viena, onde sofreu diversos espancamentos e acabou morrendo de septicemia após um ferimento infeccionado na mão, a mesma doença que passou a vida tentando combater.
Legado de Semmelweis
Décadas depois, com os avanços da microbiologia e os trabalhos de Louis Pasteur e Joseph Lister, a teoria dos germes foi aceita e a importância da higienização das mãos se tornou inquestionável. Hoje, Semmelweis é reconhecido como o “salvador das mães”, e seu legado antes ignorado, agora salva milhões de vidas diariamente, sua descoberta serviu de base para protocolos modernos de higiene hospitalar, como a desinfecção obrigatória das mãos com antissépticos e o uso de luvas, práticas essenciais para a segurança dos pacientes.
O progresso muitas vezes encontra forte resistência. A luta de Semmelweis por uma prática tão simples, mas revolucionária, enfrentou descrença e hostilidade, resultando em tragédias evitáveis. Se suas descobertas tivessem sido aceitas mais cedo, inúmeras vidas poderiam ter sido salvas.